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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A vida dos velhos

Os deuses ou a natureza são impiedosos. Na antiga Rodésia, os caçadores brancos impressionavam-se com o costume dos nativos: quando um velho já mal se mexia, era levado para o mato  e abandonado às hienas e aos  leões. Isto está na origem de um velho debate sobre a formatura  e mestrado dos devoradores de homens, mas, por muito interessante que seja, e é, não vem ao caso.
A melhor companhia do velho é a velhice. Centenas de doenças metabólicas, artroses  avulsas, solidões estelíferas, chatices do neurónio motor, cataratas.O instinto de vida é tal que eles lutam como hoplitas delirantes.
O meu dia termina quando um velho, lúcido, acabado, só, me diz que é melhor morrer. É muito aborrecido dar razão a quem sabe mais. E depois penso em leões.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O que é resistir?


O tempo e resistência são as categorias maiores. Viradas para a sobrevivência à perda, dediquei-lhes um livro, São, no entanto, gerais. Uma ruptura amorosa, um despedimento, uma doença, enfim, todo o mato de erva-de-elefante acoita testes à forma como as combinamos.
No outro dia,  dizia a uma mulher, ocupada com um teste de peso, que, quanto mais difícil é a exigência, mais possibilidades temos de cortar orelhas  e sair em ombros. Naturalmente, achou-me tolo. Mais ou menos. O que lhe quis transmitir-lhe é que quanto pior é o desafio, mais possibilidades temos de dar o máximo.
O instinto de sobrevivência é uma droga poderosa. Se já estiveram em situações very touchy, deram conta que tudo parece acontecer em cãmara lenta É como se quiséssemos apreender tudo, retalhar as fracções de tempo para não nos escapar nenhuma alternativa. Por outro lado, diante de um ataque leonino, o Péricles dentro da nossa  cabeça mobiliza o povo todo.
Mesmo que sejas dado à melancolia fatalista, se estiveres entre a espada e a parede há sempre a esperança que ganhes tino: se queres continuar a viver a bela melancolia, apoia-te na parede e salta sobre a espada.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Mais um quizz

Simples e despretensioso.
 "Though it sounds as if it might be depressing, defensive pessimism actually helps anxious people focus away from their emotions so that they can plan and act effectively".

Há alguma lógica nisto. As emoções são muitas vezes lixo estratégico. Por exemplo, uma pessoa que estou a ajudar tem um problema  específico: chumbou já 15 ( quinze) vezes no último exame do curso. Tomou o professor de ponta e o bloqueio começa quando entra na sala de exame.

domingo, 25 de agosto de 2013


No Amor & Ódio andei muito de volta dela. A clínica de todo os dias confirma-a. A amígdala ( a do cérebro...) e  os sentidos servem muito melhor quando são postos ao serviço da mais infalível realização da cultura: a aliança.
Para isso é necessário que sejamos capazes de ultrapassar a nossa história.Entendo por nossa história o arquivo de desejos, reivindicações e mutilações várias que nos preenchem a vida. Ou seja, temos de prescindir de parte de nós. Crime contra a vontade hodierna? Tanto me faz. Aprendi com irmãos que se apoiaram  toda a vida, velhos que inventaram doenças desconhecidas para morrerem no mesmo ano, filhos  para quem mudar as fraldas ao pai é um momento igual ao da primeira ida à bola.
A aliança é o reconhecimento da nossa humanidade pelo outro. Numa velha fórmula de Malraux, uma defesa contra a incessante solicitação do mundo.E muitas alianças, nestes dias de recuperação estatística, estão aí para o que der e vier.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Assai tormentata


Como tenho algumas traduções de Séneca, escolho uma na mais bela língua: brevissima, invece e assai tormentata è la vita di coloro che dimenticano il passato, transcurano il presente e temono il futuro. A síntese do andaluz é perfeita. Quem esquece o passado, negligencia o presente   e teme o futuro, só nos dias do fim compreende  que ocupou o tempo a fazer coisa nenhuma.
Há combinações ( não há moelas). Posso pagar os olhos da cara para fazer desaparecer  as rugas, cumprir dieta nazi mas viver angustiado com o fim do mês. Ou passar o tempo a remoer, mas ignorar as isoflavonas de soja e o fim do mês. Enfim, os piores são os que preenchem as três categorias.
Remédios? Sim, os químicos, que te tornam insensível à tua miséria ( o papel que Freud destinava aos estupefacientes). O problema é que o efeito não dura muito.
A minha  aposta é no presente.Ele é o eixo que te permite encaixar os golpes passados e fortalecer-te para o combate de amanhã.Por exemplo, se perdeste  um filho ou um amor e tens agora outros, leva-os à feira e comam algodão-doce. Se receias não chegar a velho, alegra-te por os teus dias sobre esta terra terem dispensado algálias e canadianas.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Não há sexo com amor

 O amor é a resposta, mas, enquanto esperamos pela resposta, o sexo levanta algumas questões interessantes ( Woody Allen). Não há sexo com amor. São antagónicos.Deixando de lado o comercial, o criminoso e o frete (quase 100% feminino,  até hoje só conheci um homem que o assumiu) , já de si eloquentes premissas, fixemo-nos nos amantes, namorados e casais apaixonados.
Quando a cama começa, ou seja, quando a amígdala começa  a bombar  como a Popota, o amor tem tanto lugar como  a leitura do Diário da República. Se nesse momento nos trocassem o/a parceiro/a, só daríamos  conta na altura de acender o cigarro. Não acreditam?
A crença de que é aquele corpo que queremos é uma boa crença.  O problema é que quem faz o trabalho tem autonomia* ( não que leve muito a sério este tipo de estudos, mas mal não fazem).
Os deuses e a natureza até montaram a coisa bem. Casais, amantes e namorados podem acreditar que fazem tudo com amor  enquanto o seu cérebro vagueia livremente pelo bosque. Por outro lado, esta forma de ver a coisa ajuda  a compreender muita violência e morte em casais: afinal, a cama não significava nada.


Nota: o *primeiro estudo do grupo não tem veracidade  comprovada,  como uma leitora, e bem, me avisou.







terça-feira, 20 de agosto de 2013

O efeito de Lúcifer


Isto é o retomar de uma  antiga experiência da psicologia social e resume-se  assim: todos somos capazes de tudo. Não é verdade, pelo menos no sentido da equalização da capacidade.  Bem, o cabeça de dinamite já o tinha dito no século XIX: o bem e o mal são ramos da mesma árvore. Pois, mas são ramos diferentes, não é?
Há pessoas boas, sim. E melhores. tenho atendido gente que nem no Inferno seria má, quanto mais no protectorado lusitano. Levadas a extremos insuportáveis, são capazes de coisas terríveis? Claro. O problema, como nos penaltys, é a intensidade: há pessoas que não necessitam de ser levadas a extremos nenhuns para fazerem coisas horríveis. O cardeal de Retz sabia-o: o mal faz-se sem esforço, o bem dá muito trabalho.
Vem isto a propósito de da justificação da situação de crise para certos comportamentos, assunto com o qual ando às voltas por causa de outras caldeiradas. Refiro-me aos que prejudicam terceiros sem benefício nenhum para os autores. Depois há  a cronologia. Beltrano, tão calmo e boa pessoa, matou a ex-mulher de repente, por ciúmes, coitado.Pois, era boa pessoa enquanto a ex-mulher não se arranjou com outro. Bastou  a Beltrano pensar  em pernas abertas e lá se foi a boa pessoa que era.
 Imagina, leitor: quantos centímetros tem a camada de verniz que te separa de uma besta? Se tiveres dificuldades, regressa a Levi, Primo Levi.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

De caras

Is it something or is it something?

Ela apoderou-se de mim



Podia ser  o amok ( lá iremos um dia), mas hoje é outra coisa. Todo  o humano dado à contemplação e ao ócio ( virtudes gregas antigas) a reconhece. É uma mistura de torpor com lassidão. Também ocorre na versão sonolenta. Em O Desbaste do Bosque, Tolstoi anda de volta dela. Ora é o  soldado Velenchuk, que sem ter bebido uma gota se sente atirado para o chão ( ela apoderou-se de mim)  e lá fica, ora é o protagonista, Nikolai Fiodorovitch, que dorme o sono especial e pesado que se tem nos momentos de preocupação perante o perigo.E há também o oficial que discorre sobre o Cáucaso e há outros. Os escritores é que sabem.

Seja como for, é um estado defensivo, de hibernação, como se quiséssemos fazer esperar  o mundo.E é um estado particularmente  adequado aos dias de moinho que vivemos. Uns, cansados da guerra, como Velenchuk, outros, angustiados com o dia seguinte, como Nikolai.
Tenho atendido pessoas que, sem saberem, são personagens desta divagação  de Tolstoi.  Não é bem  depressão, não é bem sonolência, não é bem indiferença. Suspensão?